Um quarto dos trabalhadores avulsos usa crack ou cocaína, diz estudo
 

Publicado em terça-feira, 22 de setembro de 2015 às 16:50

 
Dado integra pesquisa inédita desenvolvida pelo Campus Baixada Santista da Unifesp

Esta realidade foi constatada a partir de um levantamento inédito feito por alunos e professores do Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) no complexo marítimo, durante dois anos. E é um dos destaques do livro Porto de Santos - Saúde e Trabalho em Tempos de Modernização, organizado pelas professoras Maria de Fátima Queiróz, Rosana Machin e Marcia Thereza Couto e lançado no último dia 2, na Capital.

A obra investigou as transformações socioeconômicas ocorridas no País – especialmente no setor portuário – a partir da década de 90. Neste período, foi promulgada a primeira Lei de Modernização dos Portos (8.630/93), que mudou drasticamente a realidade do cais santista e, com isso, a saúde dos trabalhadores portuários avulsos (TPA) – estivadores, conferentes, consertadores, vigias, guindasteiros e trabalhadores do bloco, entre outros profissionais.

Para a realização dessa pesquisa sobre o uso de drogas, os alunos entrevistaram cerca de 780 TPA. Eles aplicaram os questionários na zona portuária, especificamente nas proximidades dos postos de escalação do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), onde o trabalho do cais é distribuído aos avulsos. As perguntas foram elaboradas por professores de nove cursos da instituição e algumas delas eram direcionadas apenas para verificar os percentuais de uso de álcool e drogas.

“Nas idas a campo, os alunos percebiam que esse consumo de substâncias existia dentro do Porto liberadamente. Inclusive, eles detectaram que, durante algumas entrevistas, os trabalhadores estavam usando maconha. E o álcool também, quando eles aplicavam os questionários próximo a algum bar”, explicou a psicóloga Adriana Tucci, professora do Departamento de Saúde, Educação e Sociedade da Unifesp-Baixada Santista.

Segundo Adriana, os relatos dos alunos mostraram que o consumo de álcool e drogas era mais frequente em determinadas áreas do cais santista. “Em alguns pontos do Porto, onde eles pegam trabalho, era mais intenso do que em outros. Perto das unidades do Ogmo até existia. Mas nos pontos mais distantes, era completamente liberado, o que causou certo estranhamento esse tipo de situação, como se fosse uma liberação desse consumo mesmo”, explicou a professora.

O consumo de álcool e drogas entre os trabalhadores portuários é mais frequente do que entre outros grupos, segundo a pesquisa. Enquanto 10% da população confirma o fumo da maconha, entre os TPAs entrevistados, a quantidade de usuários da droga chega a 37%.

Os números são ainda mais impactantes quando é analisado o volume de trabalhadores que utilizam crack e cocaína, drogas consideradas altamente viciantes e prejudiciais. Na população geral, o índice de consumo é de 4,6%. Entre os portuários, é de 25%, um em cada quatro.

Motivos

Entre os motivos apontados para o consumo de álcool e drogas durante as operações no Porto de Santos, estão a forma de organização do trabalho e o tipo de atividade exercida no cais santista.

Todos os dias, os TPAs são escalados para os turnos de trabalho às 7, 13 e 19 horas. Em alguns casos, não há vaga para todos e alguns precisam aguardar a próxima chamada. Esta situação causa incerteza ou até mesmo frustração no portuário que não consegue ter o nome designado. “Ele vai na expectativa e não consegue trabalho. Aí, como mora longe ou não tem como pagar a condução, acaba ficando por ali até a próxima escalação. Nesse tempo, pode consumir álcool ou drogas”, explica a professora.

Outra possibilidade levantada pelos próprios trabalhadores é a necessidade de algum tipo de estímulo para o trabalho, que é braçal e exige energia. Nesses casos, a cocaína e o crack são drogas que atuam no sistema nervoso central de forma estimulante.

“Na nossa visão, o consumo de álcool e drogas está diretamente associado à realidade do trabalho. Esta é uma questão complexa que envolve muitos fatores. É gritante a diferença”, destaca a professora universitária.
 
Fonte - A Tribuna de Santos